Bíblia e imagem
Houve um tempo em que no Brasil os evangélicos eram chamados de “Bíblias”. Como é frequente ocorrer em relação às designações pejorativas endereçadas ao que é bom, as quais em geral atiram no que veem e acertam no que não veem, essa forma de tratamento acabava sendo um elogio, em lugar de uma crítica. Ser identificado como “Bíblia” equivalia, em termos, a ser chamado de cristão, a exemplo do que aconteceu em Antioquia com os seguidores do Caminho(At 11.26). Por menor que fosse nesse sentido a intenção dos que se valiam da palavra alusiva às Escrituras para identificar os crentes, o fato é que seu uso representava colar a imagem deles ao que de melhor podia existir no que se refere a elementos como o adequado conhecimento de Deus, a base escriturística da legítima doutrina cristã e o melhor padrão de conduta ética. Ser um “Bíblia” era, na verdade, ser uma personalidade religiosa de alto nível e um cidadão digno de todo acatamento e confiança.
Hoje em dia, o termo tornou-se rarefeito, se é que ainda é usado. Outros nomes apareceram, definindo com maior ou menor precisão o estatuto confessional daqueles que aceitam a Jesus Cristo como Salvador, valem-se de um linguajar eclesiástico específico e frequentam os templos das diversas igrejas e denominações não católicas. Perdeu-se, contudo, a linha de conexão que mantinha a imagem do evangélico típico ligada ao livro que fundamenta a fé dos verdadeiros filhos de Deus. Para mal dos pecados, ganhou força no seio das correntes mais críticas a concepção do povo evangélico como constituído de gente hipócrita e presumida, que só pensa em dinheiro ou, pior ainda, que só pensa na melhor maneira de tirar dinheiro do próximo.
Não sendo o caso de se desejar um retorno ao antigo modo popular de fazer referência aos crentes, não deixa de ser uma ótima oportunidade para se pensar nas relações entre o fiel e a Palavra. Em geral, as motivações utilitárias acabam fazendo com que a Bíblia seja vista e usada meramente ou como objeto de proteção ou como manuel de autoajuda, no pior sentido da expressão, sem falar em sua utilização para coonestar posições teologicamente equivocadas, no estilo texto-prova. Há outros exemplos de uso deplorável da Escritura, inclusive o caricatural, em que bandidos se disfarçam de crentes com a Bíblia na mão, mas o que se quer enfatizar aqui é o fato de que só há um uso correto que se possa fazer da Bíblia – e é deixar que ela fale.
Isso não é tão difícil que impeça o acesso de qualquer pessoa ao conteúdo da verdade revelada, nem é tão fácil que torne vulgar esse conteúdo pelo fato de ele ter que se apresentar na embalagem despretensiosa da linguagem corrente. Através da Bíblia, dependendo da atitude do leitor, Deus tanto se revela quanto se oculta. Mesmo para o intérprete que tem a mente de Cristo e é, por isso, intelectualmente honesto, não deixam de existir os pontos de difícil compreensão, como Pedro adverte a respeito de algumas passagens paulinas. Apesar disso, a Bíblia sempre falará com clareza a quem tem ouvidos de ouvir, especialmente no que se refere aos elementos essenciais da salvação.
Por isso, o sinal de alerta mais estridente deve soar exatamente quando aparecem os lobos em pele de ovelha declarando ter a revelação total a partir textos bíblicos isolados. Estes são os mais perigosos e devem ser desmascarados através da única ferramenta existente para isso: a própria Bíblia
fonte: www.batistas.com